mulheres no taekwon-do

A força feminina no Taekwon-do Brasileiro 

Conheça as mulheres que estão construindo a história brasileira do Taekwon-Do e se inspire com suas jornadas de superação e conquista.


Taekwon-Do é coisa de mulher? Ainda hoje há quem pense que arte marcial é esporte para homens. As garotas que pisam nos tatames ouvem comentários maldosos durante boa parte de sua jornada na luta. Mas o esporte, de origem coreana, tem atraído cada vez mais seguidoras no Brasil, principalmente com a performance de atletas com destaques em campeonatos importantes, de acordo com a Confederação Brasileira de Taekwon-Do (CBTKD). No entanto, a Confederação não tem o número exato de mulheres praticantes do esporte, o que mostra a pouca atenção dada à categoria feminina. Mara Galbiati, 60, instrutora de Taekwon-Do desde 1996 e bicampeã do campeonato Pan-Americano do esporte, explica que as mulheres ainda são fortemente ligadas à ideia de fraqueza e fragilidade, o que faz com que muitas pessoas se choquem quando se deparam com uma mulher praticante de artes marciais. 


Natália Falavigna, 38, quebrou barreiras de discriminação e preconceito no esporte ao ser a primeira brasileira a conquistar uma medalha em Taekwon-Do nos Jogos Olímpicos, além de ignorar as brincadeiras de homens que no início, não a respeitavam. "O Taekwon-Do (feminino) se formou por essa equidade pela qual a gente tanto briga", diz Natália e complementa: "Porém, ainda há muito que fazer, olhando para o esporte como um todo, na questão da mulher e dos direitos das mulheres de fazerem ou de estarem aonde desejam."


Nascida em Maringá, no Paraná, começou a praticar Taekwon-Do aos 14 anos e rapidamente se destacou, ganhando diversos títulos em competições nacionais e internacionais. Ao longo de sua carreira, Natália conquistou várias medalhas importantes, como a icônica medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim,  em 2008. Hoje, atua como coordenadora técnica da Seleção Brasileira de Taekwon-Do, gerente esportiva, palestrante e coach

Outro exemplo de preconceito contra a presença feminina no Taekwon-Do foi relatado pela turca Kubra Dagli à mídia internacional, quando tornou-se campeã mundial em 2016. "Uma parte das pessoas estava me congratulando, enquanto a outra estava dizendo 'E daí que se tornou campeã? Ela deveria se casar e cuidar dos filhos'", comentou Kubra, que, aos 26 anos, carrega uma brilhante carreira desde 2009. 

Estudantes de Taekwon-Do se cumprimentando durante aula em São Paulo.

Aula de Taekwon-Do da professora Mara Galbiati, Zona Sul de São Paulo.

No Brasil, a participação feminina em esportes considerados masculinos chegou a ser proibida por um Decreto-Lei promulgado por Getúlio Vargas em 1941, que impedia as mulheres de praticar "esportes incompatíveis com as condições de sua natureza". Somente em 1979, a participação das mulheres nos esportes foi permitida e o decreto foi revogado. Com isso, as mulheres finalmente puderam participar e competir em todas as modalidades e se voltaram também para as artes marciais de autodefesa. 


O Taekwon-Do é uma arte marcial que tem suas raízes na Coréia do Sul, criada para a defesa do país, e sua história começou há mais de 2.000 anos. Foi estabelecido como esporte em 1955 pelo General Choi Hong-Hi. A palavra de origem coreana "Taekwon-Do" significa, literalmente, “caminho dos pés e das mãos”. A arte busca o equilíbrio da parte racional, emocional e física dos seres humanos, com a capacidade de liderar e respeitar o próximo em todos os aspectos. Além do uso do corpo, o esporte tem por trás uma profunda filosofia e história, baseadas nos ideais de cortesia, perseverança, integridade, autocontrole e espírito indomável, visando o desenvolvimento pessoal, físico e mental dos praticantes. A graduação no Taekwon-Do é feita por hierarquia, a partir de “gups”, os níveis, separados por 10 faixas de cores diferentes: começa-se pela branca; depois a branca com amarela; amarela; amarela com verde; verde; verde com azul; azul; azul com vermelha; vermelha; vermelha com preta e preta. 

A partir da faixa preta, os níveis são chamados de "dans" e, quando se chega ao 9º dan, o praticante é chamado de grão mestre, considerada a graduação mais alta. Para trocar de faixa, o estudante deve passar por um exame de graduação, avaliado por um mestre da Confederação Brasileira de Taekwon-Do na qual pertence, e terá que apresentar partes práticas, como lutas combinadas, defesa pessoal, quebramento de madeiras e chutes; e partes teóricas, com perguntas da história da arte marcial. 

O esporte vem se tornando cada vez mais popular no mundo e é praticado hoje em cerca de 170 países, com mais de 20 milhões de adeptos. No Brasil, a arte marcial chegou apenas na década de 1970, com o mestre Sang Min Cho, que abriu a Academia Liberdade, em São Paulo. O taekwondista foi enviado oficialmente pela International Taekwon-Do Federation (ITF), criada pelo General Choi em 1966, que tinha o objetivo de regulamentar o esporte e definir regras ao redor do mundo. 

Mulheres de todas as idades e habilidades estão participando de competições, treinando em academias e ensinando a arte marcial para outras pessoas. Existem também muitas mães que praticam o esporte e que enfrentam desafios para equilibrar as responsabilidades maternas e suas práticas no Taekwon-Do, como não ter tempo para se dedicar 100% aos treinos, como foi o caso da taekwondista Isadora Fontoura, 40. A atleta começou seus treinos em 2009, porém, antes do Taekwon-Do, já praticava outras artes marciais, como o Karatê, o Kung Fu e o Jiu Jitsu. Após lesionar seu joelho e romper o cruzado anterior, parou de vez com os treinos. Porém, quando teve o primeiro contato com o Taekwon-Do, não parou nunca mais. Ela afirma que o esporte é uma arte que respeita o corpo da mulher e seus limites, diferente das outras que praticou. 

"Hoje minha rotina anda bem parada por conta da minha filha e confesso que está muito difícil, não durmo direito, estou trabalhando direto e ainda tenho bastante aulas pra dar. Larguei muitas aulas pra ficar com ela, porque antes eu lecionava das 8h às 20h, de segunda a sexta. Quando ela chegou, eu decidi que a minha prioridade tinha mudado, se tornou 100% minha filha. Agora trabalho só segunda, terça e quarta, pra não ficar tão puxado", diz Isadora. 

Apesar das dificuldades, muitas mães encontram maneiras de equilibrar suas responsabilidades maternas com suas práticas de Taekwon-Do e se beneficiam fisicamente e mentalmente com a atividade. A arte marcial respeita o corpo, como afirma Fontoura, que quando estava grávida, por exemplo, conseguia treinar com bastante calma e no seu próprio ritmo. Outro exemplo de superação entre as mães taekwondistas foi o caso da nigeriana Aminat Idrees, 26, que conquistou sua merecida medalha de ouro no Festival Nacional de Esportes em 2020, estando grávida de 8 meses. 


Ana Beatriz Sinigaglia, 31, é médica, praticante da luta desde 2012 e hoje é faixa preta. Quando iniciou os treinos, estava no 3º ano de cursinho preparatório para entrar na faculdade, e foi justamente quando começou a praticar o Taekwon-Do que, por coincidência ou não, entrou na faculdade logo em seguida, após 3 anos de tentativa. Durante seu curso, Ana passou por diversos obstáculos, especialmente em relação à sua rotina de trabalho e suas responsabilidades como profissional da saúde. Geralmente precisam trabalhar por longas horas, incluindo plantões e turnos noturnos, o que pode dificultar a participação em treinos regulares de Taekwon-Do. Além disso, muitas vezes precisam se dedicar a estudos e atualizações constantes da medicina, ocupando ainda mais seu tempo livre. "A FMABC é em outra cidade e já tem seus horários pré-estabelecidos, mas sempre dá tempo de voltar pra casa, pegar minhas coisas e ir para o treino, é tudo uma questão de programação. Com o tempo, dentro da faculdade e com os treinos de luta, eu aprendi a me organizar melhor, pois antes eu não era tão organizada com horários, estudos, responsabilidades etc. Então esse período foi importante também para minha evolução pessoal", afirma a médica. 


E será que existe discriminação de mulheres taekwondistas dentro da medicina? Ana Beatriz afirma que sim. Muitas vezes falava para seus colegas de trabalho que estava indo treinar e as pessoas da área perguntavam, em tom irônico, se iria mesmo ao treino, e diziam que a arte marcial não ia acrescentar em absolutamente nada em sua vida. Depois de fazer uma prova para a residência de Neurologia, duas mulheres da USP (Universidade de São Paulo) a entrevistaram e disseram que a médica não ia conseguir treinar depois de começar a residência. "Elas insistiam na ideia de que lá eles trabalham das 8h às 17h e que eu não teria tempo de treinar. Eu percebi que foi uma alfinetada, implicando que eu não poderia ser muito diferente do padrão da medicina. É engraçado pensar que eu sinto muito mais o preconceito vindo de mulheres fora do ambiente do Taekwon-Do", diz Ana. 


É fato que o esporte vem evoluindo e valoriza bastante a inclusão e a diversidade. Está se tornando mais equilibrado em termos de gênero e muitos instrutores têm trabalhado para garantir que suas aulas sejam acessíveis e acolhedoras para todos, independente de suas habilidades, sexo, idade, etnia ou outras características. Silvia de Moraes, 42, é taekwondista desde os 10 anos de idade, professora, mãe, e formada em Administração de Empresas. Em 2016, conheceu seu segundo marido, o faixa preta Fabian Izquierdo, referência mundial no Taekwon-Do, principalmente para as crianças. Após um tempo, Silvia e Fabian fundaram a própria escola, a TUBE, Taekwon-Do União do Brasil, que começou com um pequeno projeto e hoje vem crescendo e se desenvolvendo entre os praticantes. E o mais importante: Silvia foi nomeada Membro do Comitê de Inclusão da Federação Centro e Sul-americana de Taekwon-Do (FCST). 

Silvia de Moraes falando sobre a importância da prática do Taekwon-Do. 

"A ITF está sempre à frente e inovando. Começou com o Taekwon-Do Kids, reforçando a ideia de que não se pode ensinar crianças da mesma forma que se ensina os adultos, pois são formas de tratamento e didáticas diferentes. Nesse meio tempo, enquanto tudo estava acontecendo, o meu filho mais velho Bruno, 12, foi diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne, uma doença rara e irreversível que afeta a musculatura. Eu passei por um momento bem difícil de luto dentro do Taekwon-Do, não conseguia treinar. Pensava 'como que eu poderia me desenvolver fisicamente, enquanto meu filho está perdendo isso?' Depois eu entendi que, na verdade, deveria ser ao contrário. Percebi que, como mãe, devo dar o meu melhor no esporte e ser um exemplo pra ele, uma motivação a continuar", conta Silvia. 


As academias oferecem aulas para crianças com necessidades especiais que podem ser adaptadas para atender necessidades específicas, como movimentos mais lentos, exercícios sensoriais e outras atividades que ajudam a desenvolver habilidades motoras. Após o período difícil, Silvia começou a fazer pós-graduação em Educação Física com ênfase na inclusão. Ela aprendeu que diagnóstico não é destino e que tudo é possível. Com isso, começou a fazer parte de um Comitê tão importante de inclusão. Hoje, Bruno é faixa preta no esporte e continua inspirando a todos com sua história. "Todos nós somos raros, diferentes e especiais. Eu fui trabalhando esse Taekwon-Do Adaptado, tinha que transformar isso pra ele. O Bruno tinha que se sentir digno disso e saber que todas as suas conquistas eram legítimas. Era adaptado, mas era legítimo ", afirma a taekwondista. 


A argentina Anabel Vicario, 46, é taekwondista desde os 6 anos, após passar por cenários desconfortáveis de bullying, além de ser diretora do Comitê de Inclusão FETRA e do Comitê Centro e Sul Americano de Taekwon-Do Adaptado. O Taekwon-Do Adaptado é uma modalidade que busca incluir pessoas com deficiência física ou intelectual nos treinos de Taekwon-Do. A adaptação do esporte tradicional possui regras para que os atletas com deficiência possam competir em igualdade de condições e o seu objetivo é permitir que os participantes se divirtam e se sintam incluídos. Eles podem competir em diferentes categorias, de acordo com o tipo de deficiência e o grau de comprometimento físico. Anabel afirma que a arte marcial adaptada é uma abordagem terapêutica, já que ela e os outros instrutores do ramo buscam trabalhar de forma interdisciplinar com terapeutas, montando um plano de trabalho onde reforçam as atividades que realizam no consultório. A atleta proporciona aos alunos um espaço onde eles possam se desenvolver naturalmente, reforçando suas habilidades, alcançando a inclusão e, acima de tudo, que se sintam felizes fazendo a atividade e que seja genuína.

"Queremos que nossos alunos sejam o mais independentes possível. O Taekwon-Do Adaptado oferece diversos benefícios para os alunos deficientes e as adaptações variam de acordo com a deficiência do aluno, como a escolha dos materiais utilizados e do espaço onde a aula é ministrada, até o som adicionado às luzes ou materiais de trabalho devem ser levados em conta", afirma Anabel. 

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), as mulheres vivenciam suas primeiras experiências de desigualdade no esporte logo na infância. É comum que as meninas mais novas sejam subestimadas pelos treinadores e colegas de equipe, o que pode afetar sua autoconfiança e desmotivá-las a continuar praticando o esporte. Maria Fernanda Paiva, 16, é estudante do 3º ano do Ensino Médio e irá prestar vestibular de Medicina este ano. Pratica Taekwon-Do desde os 5 anos de idade e em poucos meses se tornará faixa preta no esporte. A estudante afirma que durante todos esses anos de treinos, já ouviu comentários de colegas de classe duvidando de sua capacidade como atleta, que riam de sua cara quando dizia que era taekwondista, como se fosse uma piada que uma menina praticasse um esporte considerado masculino. Porém, a estudante diz que foi a luta que mudou sua vida no quesito da autoconfiança. Hoje, Maria Fernanda se considera uma mulher mais forte, dedicada e que não aceita (de jeito nenhum) qualquer comentário machista de colegas de classe. 

De fato, muitas organizações de Taekwon-Do estão trabalhando para garantir que as mulheres sejam bem representadas e apoiadas na prática da arte marcial, desde programas de treinamento e competições exclusivas para mulheres, assim como a implementação de políticas para garantir a segurança e o bem-estar das praticantes. 

"O Taekwon-Do é a minha vida, hoje ele está em mim, presente e interiorizado. Sou uma pessoa comum como qualquer outra, mas tenho essa questão de amor e prazer pelo esporte". 

"Eu fico muito feliz que a minha medalha teve um grande impacto na minha carreira e acho que teve um impacto no Taekwon-Do brasileiro e no sul-americano muito forte". 

"No Taekwon-Do, você pode conhecer seus pontos fortes e fracos. Ver tudo que é capaz de fazer. É o momento de me conhecer, de me avaliar, e de me permitir".

"Comecei a praticar a arte marcial aos 6 anos, após sofrer Bullying. Hoje, sou diretora do Comitê de Inclusão e do Comitê Centro Sul Americano de Taekwon-Do Adaptado".

"Com o Taekwon-Do, você vai ter uma disposição muito melhor para fazer suas coisas, e isso vai melhorar sua autoestima. Você pensa que é ainda melhor do que poderia ser".

"Por fazer artes marciais, eu tenho uma postura bem diferente do que tinha antes. Por mudar minha postura, a postura dos outros também mudou em relação a mim."



"Terão momentos difíceis, mas é isso que torna o esporte emocionante. Devemos aproveitar o momento e também sentir todo o desespero para poder prosseguir.

"Sou uma pessoa melhor devido ao esporte. Mais disciplinada, confiante e forte. A arte marcial me deu a chance de visualizar meus pontos fortes e ser a minha melhor versão".

Este site é parte do Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Autoria: Maria Eduarda Paiva | Orientação: Prof.º Marcia Detoni

ESTE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO NÃO REFLETE A OPINIÃO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. SEU CONTEÚDO E ABORDAGEM SÃO DE TOTAL RESPONSABILIDADE DE SEU AUTOR.

São Paulo, 2023/1